MEU OLHAR ME CONDENA

 



Agora são 00:49 de uma segunda-feira. Não estou conseguindo dormir   porque estou totalmente travado.  Não travado de coluna ou coisas assim. Estou sem coordenação motora nenhuma. 

Estou sentado numa cadeira na sala de TV. Não consigo ficar em pé pois não tenho como ficar em pé ou muito menos andar. Estou escrevendo por comando de voz. Os meus movimentos estão estupidamente lentos. Para eu ligar o  celular pareço um bicho preguiça. Não consigo me deitar pois não consigo me mover na cama. E isso é estritamente importante por causa da minha dor permanente no pescoço. Se eu não ficar me virando, não consigo dormir. Tenho que esperar o meu remédio fazer um pouco de efeito.

Enquanto isso a TV fica ligada no SPORTV pois o que me distrai  é sempre uma mesa redonda sobre futebol.  Eu preciso de alguma coisa para ocupar a minha mente enquanto eu estou sem conseguir me mover.

E eu tenho que esperar o grande prazer de sentir meus músculos da perna começarem a atrofiar. E voce pensa? Prazer em sentir dor? 

Exatamente. Quando o meu corpo tem esse “OFF” eu tenho que esperar o remédio chegar no meu neurotransmissores e criar a linda e esperada “dopamina” que é o meu bem e meu  mal.

Quando começo a sentir dor é porque o meu remédio está começando a fazer efeito e eu sei que depois de alguns gritos de dor eu estarei  bem. 

E algumas coisas são mais irritantes.  Quando o meu corpo para  e eu perco a coordenação de todos os meus movimentos, apenas o meu corpo para. A minha mente, como sempre, está  ativa. E querendo mais conhecimento e desenvolvimento como nunca. 

Quanto mais passam os anos mais eu tenho ânsia em aprender e me desenvolver. E esse é o trágico  dessa doença. Voce se sente preso no seu próprio corpo.

Mas esse não é um ápice de minha decepção. 

O que mais me deixa triste é que a maioria das pessoas que me vêem acham que isso é invenção, que eu invento minhas dores, que isso  não pode estar acontecendo comigo. 

Eu sinto dor , eu sinto raiva de ter dor e  não conseguir me mexer e as vezes até de viver ao lado de pessoas que acham que tudo isso é vitimismo.  Não tenho porque fazer isso. 

Hoje eu estava a menos de 4 horas atrás, jogando bola em uma quadra de futebol pública aqui no Rio. Estava jogando como goleiro e jogando, lógico, por ser em uma  quadra de esportes públicas,  com pessoas que eu nunca vi na minha vida. E no final, muitos dos jogadores chegam perto de mim e me dizem que eu sou um espetacular goleiro e que  eu tenho reflexos de gato.  

Poderia ficar surpreendido pelo elogio, se não estivesse acostumado com esse comentário em quase todos os lugares que jogo. 

E no final do dia, sem avisar, sem dar o mínimo de suspeita de sua ação desastrosa, vem essa doença, e de  um segundo para  o outro ( prestem atenção pois isso não é um eufemismo), de um segundo para o outro literalmente eu simplesmente perco toda a coordenação do meu corpo e tenho que ficar a mercê de meus aliciadores da   desesperada rotina medicamentosa que tomo 8 vezes por dia fazerem o seu efeito, para que eu possa ter uma noite de sono que  eu sei que não será muito boa, porque mesmo com medicação fazendo efeito, o sono ainda é perturbador. 

E na conclusão dos fatos, preciso aguentar comentários dizendo que meus sintomas são inventados por mim? 

E quanto mais as pessoas são próxima de nós, mais os comentários, as teorias egoístas e sem sentidos, as opiniões ignorantes, as piadas infames, o sarcasmo doentio e a hipocrisia cuidadora são mais fortes.

Essa doença me aprisiona dentro do meu corpo. E  as vezes meu grito é tão forte e ninguém ouve. O meu grito é por dentro, pois se eu externar da forma como ele deve ser, todos ficarão ensurdecidos. 

Eu tenho um sorriso, mas ninguém percebe que é um sorriso de tristeza avassalador de quem está apenas disfarçando o grande desencanto que é a vida. 

Ninguém percebe o grande grito de socorro não é audível devido a minha consciência pragmática de quem não quer ser uma fecha em Aquiles para ninguém. 

Que quanto mais essa força sodomita tenta me trazer um destino que por vezes confundem o meu senso crítico de ser justo, mais eu tenho que me esforçar para ser um morador das sete cidades desse apocalipse. 

Então não pensem que quando estou sofrendo que realmente estarei triste e nem feliz. Pois felicidade e tristeza plenas não existem e por isso precisamos entender como viver com as duas. Pois as duas são necessárias para manter a nossa sanidade. 

E se ainda quisermos viver nessa mentira de amor e compaixão de nosso mundo sadicamente narcisista, temos que encontrar o equilíbrio. O que sinceramente, estou longe de entender e muito menos de encontrar. 

Sangro sozinho em saber  que ninguém tem sentidos ao ver que meu olhar pede ajuda, o meu sorriso me condena, mas ninguém percebe. 

























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